sexta-feira, 26 de março de 2010

O VÔO DO URUBU


Cheguei ao bar dos amigos, nosso habitat natural, e quem logo me recebeu foi Máxima, a filha do proprietário, que é uma bela menina e fala pelos cotovelos, mas dentro da lógica o que é admirável, para uma garota da idade dela, mais ou menos oito anos. Ela é o máximo mesmo. Fui servido de uma cerveja geladíssima, como só naquela casa tem: nevando. Sentei-me só, sem a companhia dos amigos de sempre, mas eu precisava ficar só. Em uma mesa ao lado, uma turma jovem fazia uma barulheira doida, com muita animação, gozação, onde cada um contava uma situação engraçada vidada por eles. Eles davam vida ao ambiente, com suas jovialidades. Chamou-me muito a atenção a chegada da turma da limpeza do município, que retirava o lixo acumulado durante muitos dias. Muito lixo...culpa de quem??!! Do gestor público, indubitavelmente. Estes enrolões estão sempre apresentando desculpas esfarrapadas e o que é pior, com a mesma falácia, o mesmo discurso surrado e repetitivo. Dá nojo ouvir aquela paraférnalia de idiotices, mas há quem goste e eles se elegem sempre. Deixa para lá, por enquanto. Ao tempo em que era procedida a limpeza, os urubus faziam festa! Eu jamais tive a oportunidade de ver um bicho desses de tão perto, o urubu se aproximou de mim demais, ficando a menos de dois metros. Observei atentamente o animal, que é extremamente arisco, mas naquela situação, arriscava-se a chegar perto do lixo, já que o lixo estava tão perto e abundante. De repente a ave, que todos chamam de agourenta, simplesmente por ser preta, que fazia seu trabalho ecológico, com esmero, até ajudando os munícipes e gestores da Ilha do Amor; com uma agilidade incrível, surpreendente, levantou um vôo, dos mais planados e harmônicos, superior a qualquer boeing. Fique admiradíssimo com o belo vôo e acompanhei a sua trajetória, até o pássaro negro sumir no ar. Momento de rara beleza. Eu só, somente só... e este bicho, chama-me à atenção para a vida e a boniteza que se pode ver nela, basta olhar com os olhos do interesse e da singeleza. O voador negro, até que não é feio demais de perto, posso até considerá-lo bonito. Isso...isso... o urubu é sim um belo animal! Ele é negro que é a cor da seriedade, da serenidade e do ocultismo. Há muito preconceito contra os urubus e a cor negra, a ponto de alguns chamarem um negro bom caráter de "preto da alma branca". Sou daqueles, que entende quaisquer tipos de preconceitos como burrice pura. Deixemos os preconceitos à parte. Dizem que o urubu-rei é o mais esperto, também podera: é rei, né? Já pensou se houver mesmo reencarnação e todos os políticos do Maranhão voltarem como urubus. Serão, obviamente premiados, pois a ave negra é um animal nobre e trabalha para o povo. E quem seria o urubu-rei??!!..(caramba, quase rimei...) Os maçons também vestem negro em seus rituais. Os padres também vestem negro em seus rituais. Muitos outros vestem negro em seus rituais. Pintam sempre a morte de preto, não sei não...não sei não. Por quê será que os urubus foram feitos pretos por DEUS, com a missão sublime de limpar ambientes isolados e putréficos? Falam que DEUS está nos detalhes, pois o criador está no vôo do urubu. Daqui para frente, quando outras pessoas admirarem o vôo do urubu: fui eu! Eu ví primeiro! Eu percebi primeiro! Afinal do atributo, do corpo, que o ser celeste nos deu, um dia nos restará apenas a carcaça e aí, que importa? Que venham os urubus, pelo menos seremos parte da festa. A vida é efêmera, frágil e bela, meus irmãozinhos, e a paz interior, a essência espiritual, esta sim exalará e permanecerá, distribuindo o perfume de nossas almas para sempre. Lembro-me de Sêneca: onde eu vou eu levo o meu espírito, o sol que me cobre é irrelevante. É bom ser o mesmo em qualquer lugar, ser essência, ser metafísico. Voa urubu! Xô, voa estranho animal, na tua morbidez, mas voa belo, valsando de modo preciso, com a necessidade só dos teus instrumentos de vôo dados pela natureza divina! Voa... é belo! Se PESSOA visse isso, até diria: voar é preciso viver não é preciso.
Santa Inês, 22 de março de 2010, Apartamento n°225 do Hotel Socic.

MIGUEL LEDA DOURADO

segunda-feira, 22 de março de 2010